Os diabos não são nenhuns cordeiros. Olhe no outro dia o Sr. Joãozinho das Perdizes, que por pouco lhes deixava nos dentes as barrigas das pernas.
- Forte perca! - resmoneou o outro. - Não trouxesse cá os dele. Não tem dúvida; entre o senhor, que eles não lhe fazem mal.
- Não entro; assim é que não entro - teimou Henrique, a quem as palavras do almocreve acabaram de fortificar na sua resolução.
O homem, em vista disto, encolheu os ombros e bradou:
- Ó Luís!
Uma criança de cinco anos, e quase nua, correu ao chamamento.
- Enxota para lá esses cães, que aqui o senhor tem medo.
A criança, à palavra medo, fitou Henrique com uns olhos espantados, e, tomando do chão um tronco de tojo, deu-se a zurzir desapiedadamente nas feras, que, com todos os sinais de respeito, de orelha baixa e cauda abatida, fugiram diante dela.
O orgulho de Henrique de Souselas ficou um tanto maltratado com o desfecho da cena; mas a prudência consolava-o, dizendo-lhe que andara ajuizadamente.
- Agora vossemecê - disse o camponês para o almocreve - arranja-se como puder e mais a besta aí pelas lojas, enquanto eu ensino o caminho ao senhor.
- Vão, vão com Nossa Senhora, que eu cá me arranjarei. Muito boas noites, Sr. Henriquinho.
- Adeus, José - disse Henrique, passando para a mão do guia a espórtula da gorjeta, e após, seguiu, com as pernas trôpegas de cavalgar, o homem do lampião.
Não era para dissipar a impressão penosa, que subjugava o espírito de Henrique, o aspecto que lhe oferecia, àquela hora da noite, a parte da quinta, por onde era conduzido para a casa de Alvapenha.
Primeiro, trilhou o pavimento mole de um quinteiro ou eido, estradado de altas camadas de mato e embebido de chuva, donde se exalava um cheiro de curtumes, pouco de lisonjear o olfacto mal habituado a estes aromas campesinos.