- É provável que por aí venha. A tia Vitória insiste em que lhe chamemos primo. Aviso-te disso.
- Sim? E a tia? Ralha ainda muito com os criados?
- Coitada! Achei graça, há dias, à Joana, que com muita ingenuidade se me veio queixar de que ela até o anjo da guarda lhe ocupava em serviço próprio. Tu sabes que a tia, quando está com muito sono, tem aquele costume de dizer às criadas que a encomendem ao anjo da guarda delas. Mas vamos.
- Espera... e... e o Cancela trouxe-vos aquelas encomendas?
- Trouxe.
- É verdade; e a filha dele? A Lindita?
- Já cá me ia tardando a pergunta - notou a Morgadinha, rindo. - Essa anda contente, como quem nada tem a penalizá-la; nem saudades.
- Ora vamos, Lena; não te perdoo a malícia.
- Então deveras esse coração está assim tomado?
- Não te informo do meu coração, que o não levo comigo, quando daqui vou. Cá me fica; e uma grande parte dele no teu poder. Eu sou que pergunto: em que estado mo entregas?
- Muito doente.
- Sim? E o teu?
- O meu? Ah! nem eu sei dele. Olha: isto de corações são como as crianças. As travessas tantos cuidados dão às mães, que a todos os instantes querem saber o que elas fazem e onde estão; as sossegadas inspiram tal confiança, que nem sequer nelas se pensa. O meu coração é um modelo de serenidade.
- Então ainda nenhum cavaleiro errante ou trovador...
- O sítio é pouco abundante em heróis. O único destas imediações, capaz de ferir a imaginação e comover os afectos de uma mulher, é o Sr. Joãozinho das Perdizes; mas esse é um Actéon insensível, que...
- É verdade - disse Ângelo, rindo - lá vi também esse javali na venda do Damião Canada. Mas... Não sei que pense, Lena. Eu ainda um dia te hei-de dizer umas coisas.
- A mim? A respeito de quê?
- Do teu coração.