Por isso na infância e nas idades viris é que melhor se apreciam essas fealdades, que escondem um coração angélico. A adolescência é impiamente cruel para com elas.
Por uma lei análoga é o povo, o símile da criança, porque não tem os sentidos educados para as mais subtis belezas da forma, e é o homem a quem ela já não fascina, embora ainda e sempre o deleite, como poderosíssimo elemento de beleza literária, - são estes os leitores que mais aptos estão para avaliarem uma ou outra inspiração que, entre muitos desvarios, tem a humilde musa que visita a cabana do lavrador ou a oficina do artista.
Apesar da defesa de Ermelinda, Ângelo não perdoou ao auto.
- Sabes que mais? Não decores isso - disse-lhe ele resolutamente.
- Meu pai quer.
- O que é que quer teu pai?
- Quer que eu entre no auto.
- E hás-de entrar. Quem te diz que não?
- E quer que seja a Fama.
- E hás-de ser a Fama.
- E não hei-de falar?
- Hás-de falar. Tinha que ver uma Fama que não falasse. Para que lhe serviriam as cem bocas?
- Então?
- Então, é que não é forçoso que digas o que aí está.
- E que hei-de eu dizer?
- Outra coisa.
Ermelinda olhava Ângelo, admirada, sem conseguir compreendê-lo.
- Outra coisa! - repetia ela, instintivamente.
- Olha - prosseguiu Ângelo. - Daqui até chegar o dia do auto vai muito tempo. Eu te darei outros versos para estudares, em lugar desses.
- E onde os tem?
- Eu os procurarei. Não digas tu nada. Basta que no dia recites, em vez desses, os que eu te der!...
- Mas que dirá meu pai e o Sr. Pertunhas?
- O mestre de latim? Pois que tem ele com o auto?
- É quem ensina como a gente há-de dizer.
- Ah! sim? Pois, para que ele nada diga, guarda para a ocasião os versos que eu te arranjar.