ali uma vida rescendente a um suave perfume de santidade, como o da alfazema e do rosmaninho, que lhes aromatizava as gavetas e de que se repassava toda a roupa branca, objecto muito dos seus cuidados.
A inalterável harmonia, mantida havia tantos anos entre as duas, poderia ser exemplo à maior parte das famílias deste mundo.
Entre velhas, que nunca tiveram filhos, circunstância que em geral faz o humor mais acre e desabrido, era tanto mais para admirar o caso.
Tinham elas, porém, a precisa tolerância para fazerem mútuas concessões: cada uma fechava os olhos aos pequenos caprichos da outra, e tudo corria bem. Nunca dentro daquelas paredes se ouviu uma só palavra que, por mais alto pronunciada ou por menos expressiva de paciência, destoasse da invariável monotonia dos seus habituais diálogos.
Eram um exemplo edificante para os vizinhos, que, pela maior parte, devorados por demandas entre primos e irmãos, pais e filhos, marido e mulher, mostravam infelizmente ser esta abençoada semente caída em improdutivo terreno.
As discórdias intestinas nas famílias do seu conhecimento afligiam as duas sexagenárias e aumentavam o número de Padre-Nossos com que todas as noites se faziam lembrar dos santos, de quem eram validas, pedindo-lhes a felicidade dos outros tanto ou mais do que a sua própria.
Ouvir rezar as duas santas velhas - e era essa a ocupação dos seus curtos serões - equivalia a escutar uma resenha das diferentes calamidades que perseguem e apoquentam o género humano, e que elas, desta maneira, pretendiam evitar.
- Um Padre-Nosso e uma Ave-Maria a S. Marçal, para que nos livre do fogo - dizia D. Doroteia, e seguia-se o Padre-Nosso. - Outro a Santa Luzia milagrosa, para que nos dê vista e claridade na alma e no corpo; outro a S.