Há índoles que nasceram afeiçoadas para a obscuridade.
Incomoda-as a demasiada luz. Umas plantas querem ar, e sol e luz; outras vivem aí em qualquer canto escuro e obscuro, e lá mesmo dão flor. Porque é isto não sei, mas...
- Sei eu - disse uma voz da parte de fora da janela, junto da qual se passara o diálogo...
Voltaram-se os dois ao ouvi-la. A figura do ervanário desenhava- se no vão da janela, como um retrato de velho num caixilho de galeria.
- Ah! o Tio Vicente! - exclamou Ângelo, correndo-lhe ao encontro.
O ervanário encostou-se, ainda de fora, ao peitoril da janela, ficando assim com meio corpo para dentro da sala.
- Viva o nosso doutor! - disse ele, sorrindo, a Ângelo. - Por enquanto ainda esse coraçãozito está como era. Não esqueceu os seus amigos da aldeia.
- Está como sempre estará - respondeu Ângelo.
- Sempre! - repetiu o velho. - Sempre e nunca são duas palavras de terrível significação... Mas enfim... de bom metal é o coração; assim o não enferrujem os ares da cidade, como ao de... como ao de tantos... E, mudando subitamente de tom, disse para Augusto:
- Com que dizias tu que não sabes por que algumas plantas vivem de pouca luz e de pouco ar, aí em qualquer buraco do muro? É porque vivem muito pelas raízes essas. As plantas vivem do ar pelas folhas e vivem da terra pelas raízes. Lá diz aquele livro da História Natural que eu tenho. Umas prendem-se pouco ao chão; precisam, pois, de se abrirem muito ao ar para poderem viver; outras, porém, profundam tanto na terra, com tantas raízes se seguram, que delas lhe vem todo o sustento e não desdobram muitas folhas, nem crescem em grandes ramos para o ar. Como umas e como outras há homens no Mundo. Tu és dos que deixam ganhar raízes ao coração e delas vivem.