- Mãos à obra, Sr. Henrique! - bradou o conselheiro, insistindo na resolução com que viera.
- Pronto - respondeu Henrique.
- Então? então?... Que vão fazer? - perguntava D. Vitória, aflita, voltando à cozinha.
- Querem ver que preparos?! - dizia D. Doroteia, sorrindo e olhando com curiosidade para o que faziam os dois.
- Cumpro uma promessa que fiz a estas senhoras, minha tia - dizia Henrique, aproximando-se da banca, perto da qual trabalhavam Madalena e Cristina.
- É verdade que sim - acudiu Madalena - e eu exijo o cumprimento da promessa.
- Vamos lá, Sr. Henrique - tornou o conselheiro - aceite-me alguns preceitos de prática. A regra é fazer tudo o mais indigesto possível; porque essa qualidade é o característico dos manjares desta noite.
- Nesse caso, vejo que nasci para cozinhar a ceia do Natal, pois desafio o melhor estômago do mundo a que subjugue os meus guisados com os seus sucos digestivos.
- Eu já escolhi tarefa - disse o conselheiro, tirando das mãos de Cristina a colher com que ela mexia o vaso onde se preparava o vinho quente, esse punch nacional, que nesta noite seria uma falta imperdoável se esquecesse no programa daquele banquete.
Cristina quis resistir, mas o conselheiro venceu, e cedo principiou a desempenhar-se deste trabalho, no meio de hilaridade geral.
Ângelo dispensou a tia Doroteia do trabalho da preparação dos mexidos.
Henrique, seguindo o exemplo do conselheiro, e no seguimento do seu constante propósito, aproximou-se da Morgadinha, que naquele momento se ocupava a regar a calda de mel umas recentes rabanadas.
- Peço trabalho, prima Madalena.
- Não há falta de braços nesta repartição, primo Henrique. Vá a outra porta.
- Agrada-me mais essa tarefa, acho-a ao alcance das minhas forças.