Ia indizível animação na cozinha, quando Henrique aí entrou com o pai de Madalena. Era um barafustar de criadas, um chiar de sertãs, um borbulhar de caçarolas e tachos, um tinir de pratos, um tilintar de cristais no meio de uma babel de ordens, de perguntas, de reclamações, de conselhos, todos atinentes a negócios culinários. E D. Vitória ralhava, e a senhora de Alvapenha promulgava preceitos, e Maria de Jesus desdenhava do serviço das colegas, e Madalena e Cristina riam de todos e de tudo, e Ângelo a todos impacientava.
Não se imagina! A chegada do conselheiro e do seu hóspede veio exacerbar a desordem. Ergueram-se risos e exclamações, as quais ainda assim eram subjugadas pelos reparos e censuras de D. Vitória, a qual dizia para o conselheiro:
- Sempre o mano tem coisas! Olhem agora para o que lhe havia de dar! Vão lá para dentro, vão. Não venham atrapalhar-nos mais ainda do que estamos. E o primo Henrique também! Ora esta...!
- Não se aflija, mana. Nós não podíamos resignar-nos a ficar alheios à tarefa principal do dia. E até porque é necessário dar andamento a isto para chegarmos a tempo da missa do galo.
- Pois querem ir à missa do galo?
- Está de ver que sim.
- Eu também vou - disse Cristina.
- E eu - acudiu Madalena.
- Mais um, que irá também - disse Henrique.
- E eu, e eu - acrescentaram diferentes vozes.
- Ai, minhas encomendas! - suspirou D. Vitória. - Então por que me não disseram isso logo? Agora como há-de ser? E saiu em direcção à sala da ceia a dispor as coisas.
É preciso que se diga que D. Vitória vivia na cândida ilusão de que era ela quem fazia tudo em casa, enquanto que manda a verdade declarar que nunca mais regularmente corriam as coisas domésticas do que quando dormia esta aliás excelente senhora.