A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 14: XIV Pág. 219 / 508

Devo-lhe esse auxílio; assim ele o aceitasse; mas tem um génio singular aquele rapaz!

- É uma fénix - insistiu Henrique, ironicamente. - Vejo que não é susceptível de discussão; impõe-se à gente como um axioma.

Eu tenho hábitos de livre-pensador, mas... forçar-me-ei a incluir no meu credo esse dogma.

- Perdão - replicou Ângelo. - Um axioma não se demonstra, e a boa alma de Augusto está todos os dias a demonstrar-se por acções generosas.

- Por favor! Dêem como não ditas as minhas palavras! Arrependo- me da minha irreverência, e, se ele aqui estivesse, principiaria a penitenciar-me na sua presença.

- E é certo que nos falta aqui Augusto. Como te não lembraste dele, Ângelo?

- Não viria. Nesta noite não deixaria o Tio Vicente.

- Ah, sim. Esquecia-me daquele pobre Vicente.

- É do ervanário que falam? - perguntou Henrique.

- Justamente.

- Outra fénix; e quer-me parecer que também pertence ao número dos invioláveis; não é verdade, prima?

- Pertence ao número dos infelizes, primo, o que é justo considerar- se uma espécie de inviolabilidade.

A resposta colocou Henrique em mau terreno, e por isso apressou- se a desviar-se do ponto principal da questão, dizendo:

- Infeliz? Porque lhe chama infeliz? Os visionários como ele têm em si os elementos da própria felicidade, e ninguém possui poder de perturbar-lha. Além de que o ervanário goza aqui na terra de uma certa soberania, que deve lisonjeá-lo.

- E olha que nem em Lisboa há talvez quem saiba tanto como ele em coisas de doenças e de remédios, menino - disse D. Doroteia, que era uma das fervorosas apologistas da ciência do ervanário.

- É na verdade um homem singular! - disse o conselheiro. - Dantes, na noite de Natal, e em todas as solenidades de família, tínhamo-lo também por comensal, que ainda é parente arredado da casa.





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