Enfim, rompeu o primeiro o silêncio:
- Pobre rapaz! Diz-me para aí tudo o que tens. Para que te metes a esconder de mim aquilo que eu há tanto te leio nos olhos, criança?
- O quê, Tio Vicente? - perguntou Augusto, inquieto.
- O quê? Ouve, Augusto. Deu-te Deus o engenho, sem te esfriar o coração: são dons do Céu, que se pagam caro e com lágrimas, rapaz. Bondade de coração, com a cabeça... assim, assim... a dar esmolas aos pobres se satisfaz; cabeça de fogo, mas coração de gelo... todos os meios de levar ao fim ambições, tanto os bons como os maus, todos lhe servem; mas coração como o teu, com o espírito que tens!... Ai, pobre Augusto, se se escapa ao infortúnio, é por milagroso poder do Senhor.
- Não o entendo, Tio Vicente - disse Augusto, com manifesta confusão.
- Não! Olha para mim. E vê se te atreves a repeti-lo.
Augusto baixou a cabeça.
O velho sorriu com ar de comiseração e simpatia.
- Tu ainda não sabes fingir. Vamos lá; e cuidas que me não havia de custar, se não tivesse acertado? E, depois de breve pausa, continuou:
- Mas ainda quando penso em como tu, uma cabeça forte, assim te deixaste enfeitiçar!... E, tomando o cálice, que tinha defronte de si, disse com resolução:
- Quero beber à tua saúde, Augusto, e para que em breve se te desfaça essa loucura.
Quando ia a levantar o cálice aos lábios, a mão de Augusto susteve- lhe o braço.
- Não beba. Loucura embora, deixe-me viver e morrer com ela.
Sou feliz assim.
- Ah! - disse o velho ervanário, tomando um ar mais grave; e poisou o copo, sem desviar de Augusto o olhar penetrante e fixo.
Augusto, depois de um curto silêncio, prosseguiu com maior veemência e colorindo-lhe as faces um não costumado rubor:
- Sim. Porque o não hei-de confessar? Essa loucura que diz, trago-a comigo, vivo com ela e quase que para ela.