Nesta hesitação impeliu outra vez instintivamente a porta, que lhe opôs a mesma resistência.
Cedo depois sentiu, porém, o rodar da chave na fechadura e viu mover-se lentamente a porta, e no vão, que aumentava, desenhar- -se uma figura de homem.
Antes que pudesse, através da obscuridade da noite, reconhecer a pessoa, que assim tão a propósito lhe acudia, deram-lha a conhecer estas palavras:
- Muito boas noites, prima Madalena. Espero que pelo menos me concederá licença para exercer, junto de si, as humildes funções de porteiro.
Era Henrique de Souselas.
Madalena não foi superior a um vago sentimento de receio, ao encontrar-se aí com o hóspede de Alvapenha; contudo esforçou-se por dominar-se e respondeu, com aparente presença de espírito:
- Ah! É o primo Henrique. Muito boas noites. Aí temos um requinte de galanteria, que eu estava muito longe de esperar.
- E de desejar, não?
- E de desejar também; confesso-o. Por mais diligente que seja um porteiro, nunca o é tanto como uma porta aberta.
- Mas é mais discreto.
- Duvido. Em todo o caso, agradeço o incómodo.
E, dizendo isto, preparava-se para entrar, sem mais explicações.
- Uma palavra, prima Madalena - disse Henrique, retendo-a por o braço e com certa expressão nas palavras e no gesto, que redobrou o sobressalto da Morgadinha. - Não há mais acomodado terreno para um diálogo solene do que o limiar de uma porta. Ordinariamente no limiar das portas o homem muda de máscara; depõe a que apresenta na sociedade e afivela a que traz na família, e vice- -versa. Ora nestas mudanças é fácil surpreender o verdadeiro rosto da pessoa.
- Será tudo o que quiser o limiar de uma porta, primo; menos um lugar muito confortável para serões numa noite de Dezembro.