A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 17: XVII Pág. 263 / 508

Daí procedem divergências naturais que contudo nos não obrigam a deixar de nos estimarmos, julgo eu.

- Bem; então dizias tu que vinhas?...

- Trata-se de um negócio de muita importância, Vicente.

- Diz.

- Responde-me primeiro: tens ainda ânimo para sacrifícios?

- Pouco tenho que sacrificar.

- Tens, e é um sacrifício doloroso.

- Acaba.

- Trata-se de te desapossar desta casa e deste quintal, para abrir por aqui a estrada em projecto.

O ervanário, contra a expectativa do conselheiro, acolheu sem surpresa estas palavras, e respondeu, com certa ironia:

- E para que me vens consultar? Posso eu opor-me a isso? Avisas-me para eu me arredar a tempo da sombra destas árvores, mais velhas do que eu, a fim de que não me esmaguem ao caírem decepadas? És generoso, Manuel, em teres ainda em conta a vida de um homem inútil.

- Aí estás já com as tuas recriminações. Acredita que eu...

- Não mintas, Manuel, não mintas. Ias dizer que não tinhas tomado parte neste projecto. Tem coragem e lealdade, homem, e dize tudo. Entre mortificares o coração de um velho e pobre amigo e ofenderes os interesses de algum rico e poderoso influente, tomaste o primeiro partido; e, como os diferentes hábitos de vida te ensinaram em muitas coisas, como dizes, a pensar diferente de mim, não deste a isso o nome de ingratidão.

- Ouve.

- Sê franco, que eu te ouvirei.

- Pois bem, serei franco. Sim, confesso-te: era indispensável que esta estrada se fizesse. Bem o sabes. Estava nisso empenhada a minha palavra e a minha honra. Há muito que os meus adversários me fazem guerra por causa dela. Trabalhei e consegui, apesar desta situação política me ser contrária. Três traçados se ofereciam. Um sacrificava uma grande parte dos bens dos meus





Os capítulos deste livro