Logo de manhã fora, pois, a pequena Linda para o Mosteiro, e passava das mãos de Madalena para as de Cristina e das desta para as daquela, e sempre com o recato preciso para que ninguém mais lhe pusesse os olhos, pois que pretendiam reservar para a ocasião a surpresa toda. Contra a curiosidade de Ângelo é que mais tiveram que lutar.
Logo depois da uma hora da tarde começou a povoar-se o pátio de espectadores, e os actores a reunirem-se na parte do tablado oculto, por as colchas de chita, aos olhares da multidão.
Principiava a ensaiar os instrumentos o pessoal da filarmónica, dirigida por mestre Pertunhas, cuja trompa célebre servia também de batuta.
Chiava já o clarinete, assobiava o flautim, roncava o trompa, uivava a flauta, e todos prometiam aos ouvidos a mais inarmónica das torturas.
Mestre Pertunhas, distribuídas as partituras, e vendo todos a postos, deu sinal de principiar.
Um, dois, três; um, dois - dizia ou fazia ele com os olhos e com os movimentos da cabeça e pés, porque a boca, essa, já estava aplicada à embocadura da trompa. O segundo «três» era o tempo fatal. Os músicos, porém, ou por distraídos, ou por a comoção própria dos actos solenes, não corresponderam ao sinal, e a nota furiosa, extraída da trompa do mestre Pertunhas, achou-se só no espaço, e fugiu envergonhada a esconder-se na concavidade dos montes vizinhos, deixando na passagem os ouvidos quase em sangue.
Este sucesso foi saudado com uma gargalhada geral, que redobrou quando as notas dos outros instrumentos, vendo partir desacompanhada a nota chefe e reconhecendo a falta, saíram alvoraçadas atrás dela, cada uma por sua vez. Foi uma debandada musical de indescritível efeito.
O auditório, o sempre implacável auditório popular, apupava, Henrique e o conselheiro riam, os actores do auto espreitavam detrás da cortina a ver o que era aquilo.