A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 18: XVIII Pág. 280 / 508

Daríamos de bom agrado na íntegra tão importante peça dramática ou pelo menos circunstanciada notícia dela, se não receássemos o recheio excessivo para esta ordem de alimentos literários, que se querem leves. Não podemos contudo resignar-nos a passá-la por alto inteiramente.

Além do Herodes, são figuras do auto: - o caixeiro do dito - assim se lhe chama pelo menos no folheto, o que dá a entender que Herodes era homem de escrituração regular -, o capitão das tropas reais, os três reis magos, o anjo, a Virgem, S. José e o menino Jesus, a criada de Santa Isabel, dois cidadãos de diferentes cidades, o criado de um deles, a Fama e duas crianças, chamadas Geraldinho e Amorzinho.

As cenas passam-se sucessivamente nos paços de Herodes, na lapa de Belém, e em diversas paragens da estrada do Egipto.

A imaginação do espectador era a encarregada da mudança do cenário.

O poeta corre toda a clave das paixões humanas, vibra todas as cordas do coração.

Ao terror despertado por Herodes e suas ameaças, sucede a simpatia pelos três reis, personificados daquela vez por três moços de lavoura, de manto, luvas de algodão e turbante, os quais, em lamúria nasal e com profusão de xes, cantarolavam as quadras do seu papel; em uma das quais, patrioticamente anacrónicos, pediam aqueles bons magos ao Deus nascido a protecção para Portugal. Excitava a piedade a família sagrada. O velho S. José, como carpinteiro que era, aparelhava um madeiro a enxó e plaina, enquanto a Virgem dormia. A Virgem era um rosado barbatolas, em quem principiava a despontar o buço da puberdade. O anjo aparecia, como nas procissões, carregado de cordões de ouro.

No transe da fugida para o Egipto há uma cena da mais que homérica simplicidade. Quando os sagrados esposos





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