Aqui é que subia a toda a altura o génio dramático do Herodes. Para este final do monólogo reservava todos os segredos da arte; apoderava-se dele a musa do palco; desapareciam-lhe diante dos olhos os espectadores, via o mundo; perdia a consciência da individualidade própria; supunha-se Herodes; e até... ó força da arte! ofuscavam-se-lhe os bons instintos da índole generosa e quase chegava a ter verdadeira ânsia de sangue e de carnificina. O público era dominado por o artista, e, num destes silêncios que todos prevêem se desencadeará em brados de entusiasmo e frenesi, escutava- lhe as duas quadras finais:
Porém o furor me incita!
Dava, ao dizer isto, três passos à frente, desembainhava o alfange e abria os braços. Tinha o que quer que era de Adamastor, visto assim.
O brio dá-me ousadia
Levantava os braços acima da cabeça, espalmando a mão esquerda.
Para defender o ceptro
A favor da tirania!
Aqui agitava os braços como asas de moinhos.
Será cada lança um raio!
E, dizendo isto, tinha nos olhos o fulgurar do relâmpago.
Cada espada um corisco.
E o braço, armado do alfange, baixava com a rapidez do símile.
Cada soldado um trovão!
E trovejava-lhe a voz.
Cada golpe um basilisco.
E, na posição e gesto em que ficava, não era menos terrível e pavoroso do que a fera da comparação.
Uma tempestade de aplausos rompeu de todos os lados; só as mulheres e as crianças ficaram silenciosas e imóveis, porque lhes parecia um pecado aplaudirem Herodes. E não sei se o que fizera menos escrupulosa neste ponto a parte masculina fora o exemplo partido das janelas do Mosteiro; porque é certo que em geral os tiranos no palco são admirados, mas raras vezes aplaudidos.
Herodes, depois de agradecer os aplausos públicos, senta-se e segue o auto.