A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 18: XVIII Pág. 279 / 508

Aqui é que subia a toda a altura o génio dramático do Herodes. Para este final do monólogo reservava todos os segredos da arte; apoderava-se dele a musa do palco; desapareciam-lhe diante dos olhos os espectadores, via o mundo; perdia a consciência da individualidade própria; supunha-se Herodes; e até... ó força da arte! ofuscavam-se-lhe os bons instintos da índole generosa e quase chegava a ter verdadeira ânsia de sangue e de carnificina. O público era dominado por o artista, e, num destes silêncios que todos prevêem se desencadeará em brados de entusiasmo e frenesi, escutava- lhe as duas quadras finais:


Porém o furor me incita!

Dava, ao dizer isto, três passos à frente, desembainhava o alfange e abria os braços. Tinha o que quer que era de Adamastor, visto assim.


O brio dá-me ousadia

Levantava os braços acima da cabeça, espalmando a mão esquerda.


Para defender o ceptro
A favor da tirania!

Aqui agitava os braços como asas de moinhos.


Será cada lança um raio!

E, dizendo isto, tinha nos olhos o fulgurar do relâmpago.


Cada espada um corisco.

E o braço, armado do alfange, baixava com a rapidez do símile.


Cada soldado um trovão!

E trovejava-lhe a voz.


Cada golpe um basilisco.

E, na posição e gesto em que ficava, não era menos terrível e pavoroso do que a fera da comparação.

Uma tempestade de aplausos rompeu de todos os lados; só as mulheres e as crianças ficaram silenciosas e imóveis, porque lhes parecia um pecado aplaudirem Herodes. E não sei se o que fizera menos escrupulosa neste ponto a parte masculina fora o exemplo partido das janelas do Mosteiro; porque é certo que em geral os tiranos no palco são admirados, mas raras vezes aplaudidos.

Herodes, depois de agradecer os aplausos públicos, senta-se e segue o auto.





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