..
- Minha madrinha - dizia Ermelinda, chorando.
- Anda, anda, anda, minha amiga, que já os demónios saltam e riem de contentes. Teu pai é que tem a culpa. Isto são lá modos? Trazer-te por entremeses, que são artes do demónio, e arredar-te da Igreja, que é a casa do Senhor! É a missa dos domingos, e acabou- se. Os resultados são estes!... Ai, filha, que muita penitência te é já precisa para salvares a alma!
- Minha madrinha, minha madrinha, por as almas não me diga isso - exclamava Ermelinda, aterrada.
- Os três inimigos da alma te farão guerra, criatura, assanhados como cães raivosos... Eu previa isto... É o lucro de andar por essas casas de Satanás, onde não há religião nem temor de Deus... Ó meu divino Jesus, e para isto tanto padecestes por nós! E nós tão pouco caso fazemos dos vossos preceitos, meu doce Jesus, filho de Maria Virgem... Depois queixamo-nos da vossa justiça, quando já ardemos nos fogos do Inferno!...
A pequena Ermelinda tremia cada vez mais.
A velha prosseguiu, em todo o caminho, nestas exclamações, bramando contra o pecado, contra a família do Mosteiro, que acoimava de hereges, contra o pai de Ermelinda e contra esta, e, no seu fervor religioso, desenvolvia sobre o tema do pecado dissertações não em demasia apropriadas aos ouvidos de uma criança.
O resultado foi apoderar-se da pequena Linda um excessivo terror.
Das palavras da madrinha, que nem bem entendia, ficara-lhe uma horrível convicção de que tinha a alma perdida, e com lágrimas ardentes pagava a pobre criança bem caro as alegrias daquela tarde, de que já tinha remorsos. Este desalento e pavor quase a fizeram doente.
Quando o pai voltou, estranhou-a. Ele, que vinha orgulhoso com os triunfos próprios e com os da filha, sobressaltou-se ao abraçá-la.