- Que desastrada lembrança a minha! - disse o pobre rapaz, ao fechar a porta sobre si. - Como posso eu viver com esta santa e virtuosa gente, que chama manias aos meus padecimentos? Que futuro de impertinências me esperava! Ai, Lisboa, Lisboa! E pensar eu que só posso voltar para ti à custa de outra jornada! O quarto de Henrique era arranjado com simplicidade. Um alto leito de almofada na cabeceira e rodapé de chita, tão alto que se não dispensava o auxílio de cadeira para trepar acima dele, uma cómoda com um pequeno espelho, um baú, um lavatório e duas cadeiras mais, constituíam a mobília toda.
Henrique de Souselas sentia a falta de mil pequenos objectos de toucador a que estava habituado. Aquele estritamente necessário não lhe prometia grandes confortos.
Deitou-se. A roupa da cama era de linho alvíssimo e respirava um asseio e frescura convidativos; os travesseiros, de largos folhos engomados, possuíam uma moleza agradável às faces; o colchão de penas abatia-se suavemente sob o peso do corpo fatigado.
Henrique conchegou a roupa a si; à falta de velador pousou o castiçal no travesseiro, e, abrindo um livro que trouxera de Lisboa, pôs-se a ler, para obedecer a um hábito adquirido.
Não teria ainda lido um quarto de página, quando ouviu a voz da tia Doroteia, que lhe dizia de fora da porta:
- Ó menino, tu já te deitaste?
- Já, sim, tia Doroteia.
- Olha se tens cautela com a luz. Eu tenho um medo de fogos!
- Esteja descansada, tia. Eu apago já.
- Então será melhor. S. Marçal nos acuda.
E afastou-se, rezando ao santo.
Henrique continuou a ler.
Daí a pouco a mesma voz:
- Tu já dormes, Henriquinho?
- Não, tia, ainda não durmo.
- Olha que não vás adormecer sem apagar a luz. Eu tenho um medo de fogos! Não descanso, enquanto não vejo tudo apagado em casa.