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Capítulo 19: XIX

Página 307

Olhou outra vez, e viu nos ares a pedra que feriu Madalena.

Então o Zé P’reira não esperou mais nada, tomou uma resolução, fez um sinal ao rapaz, e... Pom - fez a baqueta deste, com toda a força sobre a retesada superfície do bombo.

Taplão, taplão, rataplão, rataplão... - responderam as baquetas, movidas pelas amestradas mãos do Zé P’reira.

Muitas cabeças de amotinados voltaram-se na direcção do som.

O Zé P’reira prosseguiu; adquiria cada vez mais velocidade o jogo das baquetas; começava a ganhá-lo a vapor do entusiasmo.

Principiou a acudir o povo para junto do artista.

Este tomara-se já do raptus, do frenesi musical. Já não eram só as mãos, eram os cotovelos, eram os joelhos, era a cabeça que rufavam.

De olhos fechados, dentes ferrados nos lábios, ventas ofegantes, contraídos quase tetanicamente os músculos do pescoço, a vergá-lo para trás, Zé P’reira parecia endemoninhado. Não via, não ouvia, não sentia, não tinha consciência de si, nem dos seus actos; todo ele era fogo, delírio, convulsão, febre, loucura. Parecia que poderosas correntes eléctricas se transmitiam do tambor ao cérebro, e do cérebro ao tambor, desafiando aqueles movimentos coreicos, aqueles grunhidos surdos, aquelas visagens extravagantes, aquelas contracções gerais, que o torciam, desconjuntavam e desfiguravam.

Vencera-o completamente a febre; sangue, nervos, músculos, cérebro, tudo era domínio seu; congestionado, alucinado, louco, rufou, rufou, rufou com desespero, rufou até as baquetas se não avistarem, de rápidas que se moviam; rufou até o ouvido quase não perceber a descontinuidade dos sons; rufou finalmente até cair por terra exausto, no colapso que sucede às convulsões do espasmo. Se tinha de ser aquele o declinar de uma glória, todos os astros lhe invejariam tão esplêndido crepúsculo.

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pág. 307 (Capítulo 19)

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Capa do livro A Morgadinha dos Canaviais
Páginas: 508
Página atual: 307

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
I 1
II 15
III 32
IV 49
V 68
VI 81
VII 95
VIII 113
IX 127
X 144
XI 160
XII 176
XIII 192
XIV 206
XV 226
XVI 239
XVII 252
XVIII 271
XIX 292
XX 309
XXI 324
XXII 339
XXIII 361
XXIV 371
XXV 383
XXVI 397
XXVII 404
XXVIII 416
XXX 440
XXXI 463
XXXII 476
XXXIII 487
Conclusão 506