Para se viver não basta uma... uma loucura. Repara bem. Se quiseres... O Manuel é leviano, mas creio que ainda não perverso; eu lhe escreverei... talvez que em Lisboa...
- Não lhe escreva. Sabe que não partiria para Lisboa...
- Mas... repara!... Estás muito novo, Augusto... Tens um longo futuro diante de ti. E, ficando, o que te espera?...
- A morte que fosse, a morte de miséria e de fome, ficava. Mas resta-me o trabalho. Tenho coragem para aceitá-lo.
O ervanário baixou a cabeça, pensativo.
Soaram nisto à porta da sala duas pancadas lentas.
O ervanário fez um gesto de enfado.
- Não abras sem eu sair - disse ele a Augusto, que se erguera -; não estou de ânimo para aturar importunos.
E passou para a sala contígua.
Augusto foi abrir ao novo visitante.
Achou-se na presença do brasileiro Seabra.
O grave personagem entrou pausado e sisudo, como homem que sabe fazer valer a honra que dispensa, visitando um rapaz sem dinheiro.
Augusto ofereceu-lhe cadeira para se sentar, sem inquirir do motivo de tão inesperada visita. O Brasileiro sentou-se e principiou:
- Acabo agora mesmo de saber da injustiça que lhe fizeram. Senti-a como se fora própria, e venho aqui declarar-lho.
Augusto curvou-se, em sinal de agradecimento.
- Mas então que quer? - prosseguiu o homem. - Hoje em dia é tudo assim. Padrinhos e mais padrinhos, e o mais são histórias. Estamos numa época de corrupção e de imoralidades, e ninguém sabe onde isto irá parar.
Augusto ouvia em silêncio os trenos do capitalista, que prosseguiu:
- Tolo é quem não faz como os mais. O mundo está para os velhacos.
Parou, assoou-se, tossiu, e, puxando a cadeira para mais perto da de Augusto, continuou, em tom diferente e mais baixo:
- Quando um homem tem uma gota de sangue nas veias não pode receber as ofensas e ficar-se com elas assim.