Henrique procurou minorar o efeito que esta leitura tinha produzido no ânimo da Morgadinha por meio de algumas consolações, que uma indulgente moral, muito do uso da sociedade, lhe inspirava.
Percebeu, porém, que, embora as manifestações do sentimento tivessem cessado já em Madalena, não se lhe tinha ainda dissipado a profunda e penosa impressão que lhe ficara da leitura.
Como para fazer cessar aquele género de consolações, a que Henrique se julgava obrigado, e que a ela eram custosas de ouvir, Madalena disse, em tom já aparentemente sereno:
- Bem; visto que é necessário precavermo-nos, vejamos de quem e quais as cautelas que temos a adoptar. Meu pai parece suspeitar de alguém, mas não se pronuncia claramente.
Nisto entrou na sala D. Vitória, carregada de roupa como para uma viagem aos pólos, e queixando-se do frio, cuja intensidade atribuía em grande parte aos criados, por se terem descuidado de acender logo de manhã os fogões da casa.
Quando D. Vitória foi informada do conteúdo da carta do seu cunhado, levantou um alarido desolador. Por sua vontade ordenava logo ali um interrogatório e uma devassa geral a todos os criados da casa, aos quais, segundo o costume, atribuía a culpa toda.
Madalena e Henrique tiveram muito que fazer para a convencerem da inutilidade e inconveniência desse alvitre e para lhe mostrarem a necessidade de usar de toda a prudência e dissimulação nesta pesquisa.
- Aqui entre nós - dizia Henrique - vejamos em quem se pode, com plausibilidade, fazer recair as suspeitas. O Sr. conselheiro diz bem: um criado boçal pode roubar uma jóia, subtrair qualquer objecto de valor intrínseco; porém, os ladrões de cartas, como estas, são de outra espécie e de inteligência mais apurada. Ora entre a gente que frequenta o Mosteiro.