D. Vitória seguia-os da janela com as suas recomendações.
- Por aí não, Criste!... Olha que é muito húmido... Dá antes a volta pela nora... Assim... Cautela com essas ervas, que hão-de estar molhadas... Vê lá que não esteja frio... Olha se esses troncos estão molhados...
Henrique tornava-se melancólico e sombrio nestes momentos, a ponto de uma manhã Cristina o interrogar naquele tom de familiaridade afectuosa, que principiava a poder ter para com ele, desde que o vira fraco e doente e a carecer do seu auxílio e protecção.
- Que é isso? Porque está sempre triste, agora que vai melhor?
- Estou triste, porque estou melhor - respondeu Henrique.
- Que está a dizer?!
- A verdade. A poucos doentes terá sucedido o que sucede comigo; este renascer para a vida, este sangue novo que sentimos circular nas veias, este vigor que de instante para instante conhecemos acumular-se em nós, que tantos gozos dá aos convalescentes, a mim fazem-me entristecer; como que estou pressentindo já as saudades deste tempo que passei prostrado no leito da doença, Cristina.
- Não diga isso.
- E admira-se? Se ele foi o tempo mais feliz da minha vida! Não sabe que me eram desconhecidos inteiramente os inefáveis carinhos de família que me fez experimentar? Com a saúde vão voltar para mim os dias da solidão, do desconforto, daquela vida gelada e inútil que abomino, desde que principiei a conceber outra... desde que ma fez conceber, Cristina! Quando penso em voltar para Lisboa...
- E tenciona voltar?
A esta pergunta, feita com a maior naturalidade, Henrique sentiu uma íntima comoção. Há destes efeitos. Às vezes o olhar menos significativo, a palavra menos pensada é pelo coração interpretada de maneira tal que ele próprio se sente estremecer.