- E queria que eu ficasse, Cristina? - perguntou Henrique, sob o domínio desta impressão.
Cristina não respondeu logo.
- Deixe-me acreditar que sim; é bastante generosa para isso, para não ver partir sem saudade o homem a quem salvou com os seus extremos de irmã. Esta ideia será a minha consolação; deixe-me partir com ela.
- Partir?... Mas... para que há-de partir?
- Então quer que me fique perpetuamente com aquela boa tia Doroteia, cuja vida plácida vim alterar com os meus hábitos cidadãos?
- Pois não lhe custaria ela mesma vê-lo partir?... E depois... que vai fazer para Lisboa? Adoecer outra vez, ou cismar que está doente, que é quase a mesma coisa.
- E dar-me-á sempre a sua amizade se eu ficar?
- Porque havia de lha negar?
- Tempo virá em que outros me disputarão a menor porção de afecto que me conceder, Cristina... e então... então é que eu ficarei mais só do que nunca... ou mais do que nunca sentirei que o estou.
- Anda só, porque quer... Não há tanta gente por esse mundo?
- Então a menina não sabe que se está só mesmo em companhia? Quem está só é a alma. Ai, a alma está só quase sempre!
- Porque quer.
- Porque desconfiou das companhias que se lhe ofereciam, e porque não obteve a que desejava. Além de que há almas tão tristes que intimidam as outras. E a minha é dessas. Ora diga, se eu lhe pedisse para fazer companhia à minha alma, a esta alma melancólica e sombria com que nasci, não hesitaria? Confesse.
Depois de um momento de silêncio e hesitação, Cristina respondeu:
- Se a companhia da minha fosse bastante para desfazer essa tristeza...
- Concedia-ma?
- E porque havia de negar-lha?
Henrique tomou-lhe a mão, apaixonado.
- Cristina, sabe que essas palavras podem fazer-me conceber loucuras? Se o meu coração é tão ousado.