tudo dito: uma senhora nutrida, a rever saúde por todos os poros, encarnada como uma romã, sobre quem os vestidos à moda assentam como pendurados de um cabide, as mãos cheias de anéis, meias, luvas de retrós, um chapéu com uma cercadura de rendas, poisado no cocuruto da cabeça. V. Ex.ª ri-se? Acertei?
- Parece-me que sim; mas julgue-o por si, já que tem à vista o original.
- Como?!
- A Morgadinha dos Canaviais sou eu.
- Vossa Excelência!... Henrique de Souselas, apesar de seu uso do mundo, esteve muito tempo sem saber como sair da situação em que se pusera.
Madalena ria com toda a vontade; os pequenos riam por contágio, sem saberem de quê. Tudo aumentava, pois, a confusão de Henrique.
- Ora confesse - insistia cruelmente Madalena -, confesse que o está lisonjeando a exactidão das suas conjecturas.
Henrique teve, enfim, uma lembrança. Tirou do bolso a carteira, em que, horas antes, esboçara rapidamente a figura esbelta da Morgadinha, rodeada das mulheres do povo, e, mostrando-lha, disse:
- Veja V. Ex.ª se esse esboço, apesar da sua imperfeição, está de acordo com a estúpida concepção que eu formava.
Madalena lançou a vista para a carteira e sorriu.
- Ah! Desenha?
- Quando os modelos tentam, tenho dessas ousadias. Os resultados são lastimosos, como estes. Perdoe-me o original, que julguei possível copiar, o desacato, mas... Madalena fitou em Henrique um olhar penetrante.
- Isso que diz sabe-me a um galanteio. Devo adverti-lo de uma coisa, Sr. Henrique de Souselas. Não há nada tão mal empregado como uma fineza no campo. Tudo quer o seu lugar. Em Lisboa talvez o achasse pouco delicado... ou pelo menos pouco amável, se me não dirigisse dessas frases conceituosas e bonitas. Vive-se disso lá.
Aqui acho-as afectadas e inúteis.