Ninguém se lembrou de perguntar a si próprio se a cláusula, posta pela legatária como condição à concessão do benefício, não podia ser uma crueldade que o anulasse; se comprar um futuro por dinheiro, sem querer saber a quantidade de aspirações, de esperanças, de fantasias que sejam, a que se tem de renunciar pelo contrato, não é uma iniquidade; se não era uma quase simonia ir a casa do pobre, e, fazendo luzir os reflexos do ouro nas sombras da miséria, propor-lhe trocar por estes tesouros, que o fascinam, os valiosos tesouros da alma. Eu por mim abomino estes legados condicionais, que um espírito malévolo, egoísta e desejoso de dominar ainda depois da morte, tantas vezes dita; essas meias generosidades são às vezes a causa do infortúnio de uma vida inteira; aceites ou recusadas, é raro que, depois, a cada provação que nos experimenta, uma voz interior nos não exprobre o partido que abraçámos.
- «Louco! Para que hesitaste em trocar meia dúzia de fantasmas por um bem real? Quem te mandou sacrificar a vaporosos ídolos de poetas o benefício que te ofereciam?» - dirá ela aos que rejeitaram o pacto. - «Ambicioso! - clamará aos outros. - Aí tens a felicidade que julgaste comprar à custa do que há de mais nobre na alma humana; embriaga-te agora no incenso em que envolveste o altar do bezerro de ouro, consumindo aí as tuas mais santas e generosas aspirações». Augusto não adivinhou, porém, logo a crueldade da disposição testamentária. Era muito criança ainda; e depois uma ideia nobre o preocupou; compreendeu que ia ser o amparo daquela pobre mãe, que só podia abrigá-lo com os extremos do seu muito amor. Seu pai, morrendo, apenas conseguira deixar uma herança: foi à viúva o dever de velar pelo filho. Augusto exultou, vendo que podia inverter aquele legado, velando ele pela fraca mulher, que, para bem o cumprir, esgotaria, decerto, a vida.