A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 10: X Pág. 144 / 508

X

Era uma expressiva figura de ancião o ervanário.

A fronte larga e desafrontada de cãs, os olhos ainda vivos e penetrantes e, em toda a fisionomia, permanentes indícios de habituais meditações e porventura de passados infortúnios, elevavam aquele semblante muito acima da vulgaridade. Os anos, ou, mais ainda do que os anos, os pesares haviam subjugado nele a robustez de outros tempos; os hábitos de solidão, que adquirira, a pouco e pouco lhe amoldaram o carácter até fazerem do velho um desses tipos excepcionais que atravessam o Mundo entre a estranheza de quantos o rodeiam, a ninguém permitindo sondar os mistérios que guardam consigo e para si, e criando para uso próprio regras de viver, sem atenção às convenções sociais.

Era um enigma vivo.

Nas aldeias acompanhava-o uma fama quase de nigromante; atribuíam-lhe curas milagrosas, obtidas com os símplices, a cuja cultura e colheita consagrava as maiores atenções e canseiras.

Ninguém lhe queria mal, que a ninguém o fizera nunca. Poucos, porém, ousariam, depois do esconder do Sol, ir procurá-lo à isolada casa em que vivia, escondida num quintal, que era cultivado com todo o amor pelo velho.

Em todos os casos intrincados vinham consultar o ervanário, e ele, como seguro da sua proficiência, em caso algum recusava o alvitre.

Em resultado de leituras aturadas, mas sem escolha nem método, de uns alfarrábios herdados de um tio frade que tivera, adquirira imperfeitas e mal digeridas noções de ciência, de que se mostrava orgulhoso. Livros de medicina antigos, alguns de jurisprudência, outros de lógica e de astronomia, constituíam a sua mesclada biblioteca. Entre os livros mais predilectos e consultados contava um exemplar da Polianteia, de Curvo Semedo.

O ervanário principiara em criança uma educação tal ou qual, que reveses de família haviam interrompido.





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