A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 14: XIV Pág. 210 / 508

Vitória, que, ainda que tarde, parecia tentear um lenitivo aos antigos rigores da humanidade, em uma bonita cama de lençóis de renda com cercadura doirada; colcha de cetim bordado, e colchão e travesseiros da mais macia penugem de aves americanas. Ao lado, Nossa Senhora e S. José, de proporções quase iguais às do menino; mais longe a vaca e a mula tradicionais. Os episódios, porém, eram inquestionavelmente o mais interessante da obra. Vários grupos de pastores, soldados e fidalgos de todos os tamanhos, feitios e vestuários, ornavam a cena. Ali um cego tocador de sanfona; um grupo de galegos dançando, ao som da gaita-de-foles; uma pastora com ovos mais adiante; ao lado, um grupo celebrando um picnic, perfeita actualidade, tudo em mangas de camisa, com gravata e botas de cano; - outros fumando e bebendo cerveja. Uma amazona inglesa com o seu jockey galopava pelas cercanias de Belém; um vareiro e uma vareira caminhavam a par com ofertas para o menino. Ao longe, nos visos da serra, apareciam os três Reis Magos, que deviam levar dez dias a chegar abaixo.

Não esqueceu o inspirado autor daquele monumento escultural os muros de Jerusalém. Eles lá estavam coroados de ameias e de milicianos fardados à inglesa e armados de lanças e arcabuz. Eram gigantes aqueles guerreiros, pois, não obstante estar a muralha no plano do fundo do quadro, qualquer deles era duas vezes maior do que as figuras do plano da frente. Do alto da muralha arvorava-se a bandeira portuguesa. Havia vários santos espalhados pelas agruras daquelas montanhas, e, entre os aditamentos feitos pela devoção de D. Vitória ao presepe, contava-se o de um Santo António de Lisboa, que, apesar de taumaturgo, parecia muito admirado de se ver naquele tempo e lugar. Um galo colossal soltava do telhado do presepe o grito anunciador; anjos e querubins espreitavam do Céu por entre nuvens de algodão e estrelas de ouropel.





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