Era um prodígio! Descrevendo rapidamente esta maravilhosa fábrica, sentia eu vivo orgulho de ter revelado ao Mundo uma preciosidade sem igual, e a que a unânime admiração faria cedo ou tarde justiça; tive, porém, de abandonar esta lisonjeira ideia, ao achar-me precedido por um dos romancistas mais justificadamente populares da nação vizinha. Das páginas de um delicioso quadro de costumes de Fernán Caballero, a eminente escritora de que a Andaluzia se ufana, conheci eu serem não somente nacionais, mas peninsulares pelo menos, estes modelos de presepes, com os seus ingénuos anacronismos, cunho irrecusável que o povo imprime a todas as suas obras de arte. Onde falta o anacronismo, falta a assinatura do povo.
Em todo o caso era digno da menção que dele fizemos o presepe do Mosteiro.
Enquanto Henrique e o conselheiro o estudavam por miúdo, D. Vitória fizera desfilar o cortejo das criadas para a cozinha, onde urgia o serviço, e, seguindo-as, ia-lhes demonstrando que eram as piores criadas do Mundo, por isso que, tendo tanto que fazer, perdiam tempo a cantar loas diante do presepe. D. Doroteia cedo tomou com Madalena e Cristina o mesmo caminho.
O conselheiro e Henrique ficaram nas salas com os pequenos, e com eles entraram em jogos, como se fossem crianças também.
O aspirante a ministro, o deputado, o orador, o homem grave e sério das salas de Lisboa perdera todo o ar diplomático; agora era somente o homem de família: pueril, travesso, alegre, folgazão.
- Meu caro - dissera ele a Henrique no princípio da noite - vou fazer-lhe um pedido. Hoje deve ser banido o menor assunto político, a menor discussão séria. Deixe-se correr frívola a conversa da noite; o contrário seria uma profanação, que atrairia sobre nossas cabeças as justas iras dos anjos domésticos, que nestas noites andam invisíveis misturados com a família.