A noite era sem luar e sem névoas. Descobriam-se muitas estrelas no céu, que com forte cintilação parecia iluminarem a terra de um ténue crepúsculo, que mal deixava distinguir os objectos.
O ar frio da noite estava produzindo em Henrique um prazer, que ele procurava prolongar.
Não havia passado muito tempo, depois que assim se encostara à varanda do quarto, quando lhe atraiu a atenção certo vulto alvacento, que furtivamente se movia numa das ruas da quinta.
Pareceu-lhe uma figura de mulher.
Justamente naquela ocasião tinha Henrique na memória o período final da carta do seu amigo.
Por isso ocorreu-lhe uma ideia satânica:
- Ah!... Querem ver que... A dor de cabeça súbita... A insistência em ficar só... Percebo... Um primo tímido e modesto... E, murmurando estas palavras, um sorriso maligno encrespava os lábios de Henrique.
- Se eu pudesse averiguar isto... Mas ela corre com uma ligeireza que, antes que eu ache meio de sair para a quinta... já a levará bem longe.
O meio, porém, não era difícil de encontrar. Da varanda em que estava Henrique passava-se com grande facilidade para outra imediata, na qual havia uma escada de comunicação para a quinta.
Reconhecendo esta disposição do terreno, Henrique operou num momento a descida e pouco depois procurara através da quinta os vestígios da mulher que tinha perdido de vista.
Nesta operação esforçava-se por combinar com a máxima ligeireza a possível precaução, para não ser por causa alguma frustrada a sua pesquisa.