A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 25: XXV Pág. 386 / 508

A Morgadinha precedera o cortejo e viera esperá-lo junto do túmulo. Com o braço apoiado na pedra sepulcral, e a fronte encostada à mão, seguindo melancolicamente com a vista a vagarosa procissão que entrara no cemitério, dissera-se uma estátua primorosa, cinzelada por mão de inspirado artista, para simbolizar junto do túmulo a saudade pelos que morrem.

Cada vez se ouvia mais perto o latim dos padres; o coveiro viera já ocupar a posição que lhe competia; estreitou-se o círculo dos curiosos em volta da campa. A cruz parou junto dos degraus do túmulo; os padres abriram alas e as crianças encaminharam-se, por entre eles, para a borda da sepultura.

O abade molhou o hissope na caldeira, para aspergir a cova.

Uma imprevista ocorrência mudou, porém, o aspecto da cena.

Havia já alguns momentos que começara a ouvir-se um vago rumor, que tanto podia ser do vento na rama dos pinheirais, como de multidão que se aproximasse em tropel.

As conferências solapadas de alguns personagens dos grupos tinham-se activado ao ouvi-lo. Pouco a pouco principiou a mover-se alguma coisa por entre os troncos dos pinheiros; tornaram-se distintas uma, duas, três e muitas figuras de homens, correndo em direcção ao cemitério, gesticulando, berrando, soltando ameaças, algumas das quais já a distância a que eles vinham permitia ouvir claramente.

Não era difícil adivinhar a significação daquilo: a questão vital do dia era, para todos os espíritos, a dos enterros em campo descoberto; a cada momento se falava em motim pronto a organizar-se e a rebentar. Ficava, pois, evidente que tinha chegado a ocasião da crise popular já antevista.

Cedo invadiam o cemitério um bando de furiosos, desorientados, de aspecto feroz, berrando e brandindo ameaçadoramente paus, fouces e chuços e todas as peças do extravagante arsenal a que o homem do povo recorre sempre, ao chamamento da arruaça ou da sedição.





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