- E dizes que partes esta manhã?
- De madrugada. Já tenho tudo pronto.
Augusto reflectiu por algum tempo.
- Far-te-ei companhia.
O Herodes olhou-o, admirado.
- O Sr. Augusto?! Pois quer?...
- Quero que me batas à porta, quando passares.
- Mas que tenções são as suas, Sr. Augusto?
- As mesmas talvez que as tuas. Não dizes que queres ver se o trabalho te mata? Porque não hei-de eu tentar o mesmo também?
- Mas... não lhe morreu uma filha.
- E cuidas tu que só um amor de filha nos pode prender à vida? Que só a morte de uma criança nos pode ferir no coração?...
O Herodes esteve algum tempo calado, com os olhos em Augusto; depois disse, com hesitação ainda:
- Não é por certo a morte desse santo velho que o faz falar assim, Sr. Augusto. Se quisesse desabafar comigo... talvez lhe fizesse bem. Bem vê que eu sou infeliz e... havia de entendê-lo...
Augusto apertou-lhe a mão, comovido.
- Pobre amigo! Não, não me entenderias; porque não basta ser infeliz para me entender. É necessário ter sido louco como eu fui.
- Louco?!
- Sim, louco, meu bom Cancela, louco. Não te lembras daquele desgraçado do Pé do Monte, que se supunha rei? Como ria naquele tempo! Um dia voltou-lhe o juízo, mas ficou tão triste até morrer, que parece que tinha saudades da loucura! Talvez lhe devesse os únicos instantes de felicidade que sentiu na vida.
O Herodes já não compreendia Augusto, o que lhe fez crer que o não entenderia se ele o tomasse por confidente.
Augusto mudou de tom, dizendo-lhe:
- Prometes passar por minha casa esta madrugada?
- Pois sempre quer?.