A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 30: XXXI Pág. 472 / 508

.. A cada passo estou à espera de vê-la... É como se a todo o instante me morresse. Vou para a cidade, dizem que estão engajando por lá trabalhadores para o Brasil... Quero ver se o trabalho me mata, antes que o desgosto me não tente a morrer de outra sorte.

- E dizes que partes esta manhã?

- De madrugada. Já tenho tudo pronto.

Augusto reflectiu por algum tempo.

- Far-te-ei companhia.

O Herodes olhou-o, admirado.

- O Sr. Augusto?! Pois quer?...

- Quero que me batas à porta, quando passares.

- Mas que tenções são as suas, Sr. Augusto?

- As mesmas talvez que as tuas. Não dizes que queres ver se o trabalho te mata? Porque não hei-de eu tentar o mesmo também?

- Mas... não lhe morreu uma filha.

- E cuidas tu que só um amor de filha nos pode prender à vida? Que só a morte de uma criança nos pode ferir no coração?...

O Herodes esteve algum tempo calado, com os olhos em Augusto; depois disse, com hesitação ainda:

- Não é por certo a morte desse santo velho que o faz falar assim, Sr. Augusto. Se quisesse desabafar comigo... talvez lhe fizesse bem. Bem vê que eu sou infeliz e... havia de entendê-lo...

Augusto apertou-lhe a mão, comovido.

- Pobre amigo! Não, não me entenderias; porque não basta ser infeliz para me entender. É necessário ter sido louco como eu fui.

- Louco?!

- Sim, louco, meu bom Cancela, louco. Não te lembras daquele desgraçado do Pé do Monte, que se supunha rei? Como ria naquele tempo! Um dia voltou-lhe o juízo, mas ficou tão triste até morrer, que parece que tinha saudades da loucura! Talvez lhe devesse os únicos instantes de felicidade que sentiu na vida.

O Herodes já não compreendia Augusto, o que lhe fez crer que o não entenderia se ele o tomasse por confidente.

Augusto mudou de tom, dizendo-lhe:

- Prometes passar por minha casa esta madrugada?

- Pois sempre quer?.





Os capítulos deste livro