A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 4: IV Pág. 59 / 508

.. Que quer? Influências da cena.

Há tanta sem-cerimónia no campo! Aqui todos nos tratamos como parentes: há-de ver. Não repara como eu o recebo numa sala de jantar, sem nem sequer tirar os babeiros a estas crianças? Olhe lá que fizesse o mesmo em Lisboa...

- Então V. Ex.ª já lá esteve?

- Eu? Nasci lá e lá me eduquei.

- Ah! Bem se vê.

- Ah? Aí está um ah que eu desejaria muito que me explicasse.

- Não me será difícil fazê-lo. É que, antes já de ouvir falar V. Ex.ª, só ao ver certa distinção, certa elegância de maneiras, conjecturei...

- Basta. É um ah, portanto, que tem umas poucas de más qualidades.

- Deveras? Uma interjeição tão inocente!

- Pelo contrário, é a voz mais pérfida e inconstante da nossa língua; tudo exprime, a hipócrita. O seu ah é vaidoso, adulador e iníquo pelo menos. Pela vaidade castigue-o algum resto de modéstia que ainda se abrigue no seu coração lisbonense; a adulação competia- me castigá-la, mas perdoo-lha porque quero ainda supor que é um sintoma da doença das cidades, a meu ver, a principal doença, que o obrigou a procurar a aldeia; da iniquidade, da injustiça que se pode dar na província, há-de convencer-se dentro em pouco, quando eu lhe apresentar minha prima Cristina, uma rapariga que tem vivido aqui sempre e que protesta contra essa sua opinião; possui tudo quanto pode dar de bom a educação das cidades, e, o que mais vale, aquilo que lá é tão fácil de perder-se depressa, uma candura adorável. É a irmã mais velha destas crianças - acrescentou, poisando a mão na cabeça dos pequenos, que comiam e conversavam um com o outro.

- Mas V. Ex.ª...

- Perdão. Outra coisa. Já agora que entrei no caminho das admoestações, permita-me mais uma, antes de perder o ar grave que hei-de por força ter.





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