A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 7: VII Pág. 111 / 508

A amedrontada criança chegava a recear pela salvação da alma.

É sempre funesta a influência que exercem sobre a infância os caracteres como os da beata.

O Herodes percebeu a impressão sob a qual estava a filha e acudiu-lhe.

- Toma lá, Ermelinda - disse ele, tirando da mala uma pequena medalha com um retrato. - É um presente do nosso amigo Ângelo para nós, ou, antes, para ti... Ermelinda pegou no retrato com não reprimido alvoroço. Era outra vez a criança.

A madrinha lançou para a medalha um olhar oblíquo e reconheceu o retrato.

- Em nome do Padre e do Filho e do Espírito Santo! - rompeu ela com espanto exagerado. - Este homem não tem a cabeça no seu lugar, por mais que me digam! Ele quer perder a filha decerto! A fazer a cabeça doida a uma criança! O Herodes, ouvindo estas palavras, pousou com ímpeto a mala no chão, e, com os olhos chamejantes e as faces injectadas, vociferou, cedendo o campo à cólera, que se lhe acumulou no seio:

- Com seiscentos milhões de diabos! Você que está aí a dizer, mulher? São os sermões dos missionários que lhe têm assim afiado a língua e deitado peçonha na baba? Com efeito! Saiba que dou mais pela criança, de quem é aquele retrato, do que por quantos sotainas lhe ouvem os seus pecados todas as semanas e por quantas beatas andam consigo a dar marradas no lajedo da igreja. Fazer a cabeça doida a minha filha! Tenha mão na língua, comadre, que lhe não sofro tanto. Doida lha trazem a vossemecê os missionários e os sermões.

Seu marido fora eu, que a mania lhe tirava.

O Zé P’reira, apesar dos seus desgostos domésticos, zelava a dignidade do casal; e não levava à paciência que outro, além dele, dissesse daquelas verdades à mulher; por isso, ouvindo-as, através dos sonidos que lhe chiavam nos ouvidos, levantou-se, e, sustentando- se nas pernas vacilantes, e bracejando sempre, bradou:

- Compadre! Eu sei quais são os meus deveres! Compadre, prudência!.





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