A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 8: VIII Pág. 124 / 508

- Pois o tino enganou-te.

- Enganaria; mas deixa-me continuar. Se este senhor primo intruso for realmente o que eu imagino que é, resta-me prepará-lo para o tornar mais digno do amor desta boa Criste, que em tal caso favorecerei; se não for, declaro-lhe já guerra e guerra de morte. A ti competia fazer isso tudo, como a mais interessada, mas desconfiei da tua credulidade e boa fé e da tua inexperiência. Olha, estou certa que o mais que te atraiu em Henrique foi exactamente o que nele há de pior. Certo verniz mentiroso, certo colorido, que é preciso ter visto muita vez, e em muitos indivíduos diferentes, para se ter na conta devida. Ilude, agrada a quem não está costumado, e pode causar graves enganos e desenganos mais graves ainda. Por enquanto o que ele nos mostra é mais da sociedade em que vive do que dele próprio. É necessário deixar cair a primeira capa, para que o natural apareça.

- Não sabia que era assim fácil enganar-se uma pessoa a respeito de outra - notou Cristina, sorrindo.

- Se é! Lembras-te do que tantas vezes conta tua mãe? Que, quando há anos foi a Lisboa, comprou lá por bom preço um cofrezinho que ela supunha preciosíssimo, e que chora hoje a sua tentação, desde que o verniz brilhante que ele tinha caiu e ficou à vista a realidade? Pois o mesmo acontece muitas vezes em contratos de outra ordem e bem mais sérios do que este. Há vernizes maravilhosos, que iludem os inexperientes.

Houve um instante de silêncio, no fim do qual Cristina perguntou, olhando pela primeira vez fito para Madalena:

- Ora diz-me, Lena: qual será a razão pela qual eu não devo acreditar que esses pensamentos te ocorreram, porque era o teu destino, e não o meu, que vias dependente do estudo que fazias? A Morgadinha fixou na prima um olhar triste e cheio de amargas recriminações.





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