A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 11: XI Pág. 163 / 508

Na maneira de vestir inculcava os hábitos da vida e um certo desleixo com sua pessoa, que lhe era peculiar. Trazia o colete quase sempre desapertado e com alguns botões a menos, de modo que os peitos da camisa formavam hérnia pela abertura; entre as calças descaídas e o colete avistava-se o cós das ceroulas, no qual era jeito muito seu o enfiar a mão; ao pescoço trazia um lenço de seda escarlate, negligentemente atado e com longas pontas flutuantes; uma jaqueta de peles com alamares, calças de fazenda chamada pele-do-diabo, botas de montar e esporas constituíam o resto do vestuário. O cigarro, que quase sempre fumava até às últimas, crestara-lhe profundamente as pontas dos dedos e o canto dos lábios. O palito andava-lhe sempre atrás da orelha; a navalha de ponta na algibeira, e, para qualquer parte que ia, acompanhava-o uma tumultuosa matilha de galgos, podengos e perdigueiros.

Segunda e não menos importante personalidade era a do Sr. Eusébio Seabra, chamado por antonomásia - o Brasileiro.

Era um homem de cinquenta anos; bem figurado e sisudo, de falar compassado e com os seus quês de oráculo, frases sentenciosas e ares de protecção a todo o mundo.

Saíra criança da aldeia e fora tentar a fortuna ao Brasil. Por lá esteve quarenta anos, e voltou o homem grave que vemos e rico. O como enriqueceu não sei, e ninguém da terra o sabia. Veio edificar uma casa no sítio em que nascera, uma casa grande de cantaria e azulejo, com três andares e varandas, jardim com estátuas de louça e alegretes pintados de verde e amarelo, o qual jardim tinha mais fama, naquelas aldeias vizinhas, do que os jardins suspensos da Babilónia. Trouxera um papagaio e uma arara, igualmente famosos, e uma botica homeopática, que ele próprio manipulava.

As ambições de Eusébio Seabra limitavam-se a vir a ser a primeira personagem de influência na aldeia.





Os capítulos deste livro