A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 2: II Pág. 17 / 508

A luz do lampião a custo conseguiu evitar a Henrique o tropeçar num carro desaparelhado, numa dorna, numa pia para galinhas, e em outros objectos que atrancavam o quinteiro. Transpondo a cancela que terminava este, seguiram por uma rua de limoeiros, coberta de ramada, então despida ainda de folhas; atravessaram diagonalmente a horta, pelo carreiro que a dividia; ladearam a eira e a casa do cabanal, e, efectuados mais alguns rodeios, acharam-se finalmente junto da escadaria de pedra, por onde se subia para uma espécie de patamar ou varanda alpendrada, que servia de modesto pórtico à casa de Alvapenha.

A propriedade da tia de Henrique era um genuíno tipo de casa rústica, à moda do Minho.

Ao subir as escadas, e apesar de mal poder divisar os objectos à escassa luz que os alumiava, recebeu Henrique a primeira impressão agradável de toda aquela mal estreada excursão.

Estas escadas, esta varanda de pedra e este alpendre avivaram nele memórias, quase apagadas. Lembrava-se agora vagamente de ter brincado ali, a cavalo nesse mesmo parapeito, então, como agora, enfeitado de uma formidável coorte de abóboras-meninas, vítimas votadas às festas do próximo Natal.

A um canto do patamar deparou-se-lhe ainda um grande vaso de louça, que ele, havia vinte e tantos anos, conhecera, e ao qual tinha a ideia vaga de haver quebrado uma asa; abaixou-se no intento de se certificar, e viu que de facto ainda lhe faltava a asa, sendo este o único estrago que após tanto tempo o velho utensílio sofrera.

- É admirável! - não pôde deixar de exclamar Henrique ao fazer a descoberta, vendo que em oito dias operava maior reforma nos seus aposentos em Lisboa do que num quarto de século se realizava em Alvapenha.

O hortelão bateu à porta e disse para dentro que era o sobrinho da senhora que chegava.





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