Seguiu-se um mexer de cadeiras, um trocar de vozes, um arrastar de passos; moveu-se a chave na fechadura; abriram-se as portas, e no limiar apareceu de braços abertos a tia Doroteia, e, por trás dela, elevando a luz acima do ombro da ama, a criada Maria de Jesus, a que, havia trinta anos, lhe era companheira e interessada em alegrias e pesares. Já Henrique lhe andara ao colo no tempo em que estivera criança na quinta.
Diante da figura esbelta, do tipo varonil e do comprido bigode de Henrique, a Sra. Doroteia reprimiu as suas expansões e quase recuou.
Nunca mais vira Henrique desde que este, aos cinco anos, deixara Alvapenha, e dir-se-ia que esperava ainda encontrar os mesmos cabelos loiros e anelados e o mesmo rosto menineiro da travessa criança de outros tempos, em vez do homem feito, em que os vinte e tantos anos volvidos o tinham transformado.
Há destas ilusões na gente.
A mais segura razão não está precavida contra elas; a infundada surpresa invade-nos de súbito, e os lábios não podem prender a exclamação que a denuncia.
- Pois na verdade tu és o Henriquinho?! - disse espantada a boa senhora.
- Eu julgo que sim, tia Doroteia.
- Tu! Ai como estás um homem! Ó Maria de Jesus, você não quer ver isto?!
- Parece mesmo um soldado! - disse a criada, igualmente estupefacta.
- Credo, mulher! Santíssima Trindade! Você que está a dizer? Nossa Senhora nos livre de tal! - exclamou a ama, em cujo conceito o soldado estabelecia a transição do homem para o diabo.
No entretanto Henrique de Souselas abraçava a tia, que havia tanto tempo que não vira, e ela correspondia-lhe, beijando-o com todo o carinho e chorando.
Chorando porquê? Porquê? Pela muita bondade que tinha naquela alma. A bondade é um rico manancial, que brota lágrimas ao toque da menor comoção.