A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 12: XII Pág. 186 / 508

- Parece-me que tenho neles juízes inflexíveis, e escondo por isso a minha face política dos seus olhos penetrantes. Há muita coisa nela, para que o mundo é já indulgente, mas que receio que eles me não perdoassem.

Reparando para o olhar de estranheza com que Henrique lhe seguia esta efusão de sinceridade, o conselheiro acrescentou, sorrindo:

- Estou a ver que não esperava estas palavras da minha boca: esta confissão de pecador contrito.

- Confesso que não.

- Então que quer? Surpreendeu-me aqui com o coração aberto. Já agora deixe-me continuar. Uma das ideias que mais me atormentam sabe qual é? Vê aquela criança que ali está? Ângelo? É uma inteligência que, de dia para dia, vejo formar-se com um vigor de vida, que me espanta. Não é a vaidade paterna que me cega, pode acreditar. Conhecendo-o de perto, há-de dar-me razão. Mas o que há além disso nele é um senso profundamente moral, raro até em idades menos tenras. Pois bem, quando penso nele por algum tempo - e conjectura que não serão poucas as vezes em que o faço... - quando penso nele e no futuro, sobressalto-me. De um lado, seduz-me abrir-lhe a carreira política, onde há grandes triunfos a embriagar as inteligências e onde pressinto que a dele terá o direito, se não o dever, de procurar um lugar; mas, se me lembro de que na atmosfera daquelas regiões não duram muito estas primitivas canduras da alma, tão adoráveis e consoladoras, quando me lembro de que Ângelo será um dia... o que eu já hoje sou, um pouco desiludido, um pouco céptico... com franqueza o digo, hesito em impeli-lo ao redemoinho e pergunto a mim mesmo se mais não valeria dizer-lhe: Ângelo, vive obscuro e tranquilo neste retiro do Mosteiro, conserva aqui a ideal pureza da tua alma e procura a felicidade nas satisfações do coração.





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