A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 13: XIII Pág. 196 / 508

Esta pequena contenda literária entre duas crianças podia dar margem a profundas reflexões a quem para elas estivesse disposto.

Ângelo estava no princípio de uma educação esmerada. Principiara já a desenvolver-se nele a inteligência, e a acordar os instintos artísticos, que estremeciam já sobre as primeiras seduções da forma. Nestas épocas críticas, em que esses segredos se revelam, é tal o encanto em que eles nos trazem, que exclusivamente nos votamos ao novo culto, com fanática intolerância. Onde as louçanias do estilo, os primores e a sonora harmonia do metro, e o brilhantismo das imagens nos não afagam os sentidos, recusamos demorar a vista; e escapa-nos assim na sombra muita beleza real, às vezes oculta sob a grosseira revestidura da poesia ou narrativa popular.

É necessário que passe o entusiasmo, a violência da paixão nascente, que venha a frieza de ânimo necessária à imparcialidade do juízo, para que nos não cause repulsão a aspereza, e grosseria até, da forma, e consigamos apreciar o belo que porventura nela se envolva.

Dá-se com a beleza da ideia e da forma de qualquer obra literária, o que se dá com a beleza moral e a beleza física de uma mulher.

Ambas são feitas para nos comoverem e dominarem. Mas, quando o assomar de um sentir novo começa a alvoraçar o sangue do adolescente, quando formas vagas e formosíssimas principiam a encantar-lhe os sonhos de suas noites febris, a paixão da forma domina-o; por ela sacrifica tudo: uma modelação perfeita, um delineamento gracioso poderá decidir da sua vida inteira, e, na fascinação que o cega, nunca verá a formosura da alma, que se abriga numa pouco feliz encarnação. É que, para apreciar a beleza moral, para a ver transparecer através do invólucro exterior, é preciso deixar passar a vertigem dos primeiros momentos, ou não a ter ainda experimentado.





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