A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 18: XVIII Pág. 281 / 508

estão para partir, chega a eles a criada de Santa Isabel, prima da Senhora, outro mocetão em trajes femininos, e da parte da ama oferece aos foragidos algum dinheiro e refrescos; pedindo desculpa por não poder dar quanto queria, o que tudo a Senhora agradece com as frases da tarifa, recomendando-se muito a sua prima.

O cómico caminha ao lado do patético, como no drama moderno. Há personagens, reflexões e cenas sempre apreciadas e já aguardadas pelo público, que as saúda com sinceras gargalhadas. Destas a principal é, evidentemente, a que se passa entre um cidadão, de quem a sacra família recebe gasalhado e o criado do mesmo.

É uma cena de disputa doméstica, cheia de alusões satíricas à classe dos criados de servir, a qual era sempre aplaudida. O cidadão, depois de mostrar ao criado, de relógio em punho - anacronismo shakespeariano - a demora excessiva que ele tivera fora de casa, diz para o auditório:


Não se pode ter criados
Hoje em dia, nesta vida,
Ou quem houver de os ter
Não lhes deve dar guarida.

Neste ponto do auto houve aquela tarde um pequeno, mas gracioso episódio.

D. Vitória, que achava esta a parte melhor pensada e mais conceituosa de toda a peça, de afinada que estava pelo seu modo de sentir, não pôde conter-se, que não exclamasse:

- Aquilo é que é uma verdade!

A espontaneidade da reflexão fez rir a família do Mosteiro, riso que teve eco em baixo, entre o povo, que enchia o pátio.

A cena cómica prolonga-se, mandando o patrão distribuir pelo caixeiro rapé ao auditório, outra liberdade que produzia sempre o maior efeito.

O criado trazia uma enorme tabaqueira, um verdadeiro baú, e oferecia pitadas ao público, dizendo:


O meu amo, com ser rico,
Gosta destas patuscadas.
Nunca os senhores tiveram
As pitadas tão baratas.





Os capítulos deste livro