A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 18: XVIII Pág. 284 / 508


Soavam menos distantes
Sinistros brados de dor,
Choros de mães e de infantes,
Cantos de morte e terror.


Vi anjos de asas nevadas
Em bandos subir ao Céu,
Quais pombas amedrontadas
Fugindo à voz do escarcéu.


«Onde ides? Quem vos persegue?
«A que tormentas fugis?»
Um, que triste o bando segue,
Estas palavras me diz:


«Somos as almas de infantes
«Mortos em guerra feroz;
«Inda das mães delirantes
«Nos chama a sentida voz.


«Só a materna saudade
«Nossa carreira detém,
«Embora no Céu, quem há-de
«Esquecer o amor de mãe?»


Disse e o semblante formoso
Com as asas encobriu.
E ao bando silencioso
Silencioso se uniu.


Eu segui. Na ímpia cidade
Aterrada penetrei...
Aí, da fera humanidade
Os meus olhos desviei!


Que cena! Corre nas praças,
Sanguinária multidão,
Como nuvem de desgraças
Semeando a desolação.


Caem por terra sem vida
Tenras crianças às mil,
E uma turba enfurecida
Corre à matança febril.


As mães pálidas, chorosas,
Suplicam, pedem em vão!
Nessas feras sanguinosas
Não palpita um coração.


Outras tentam, em delírio,
Os seus filhos disputar,
E com eles no martírio
Gostosas se vão juntar.


Sobre a terra ensanguentada
Eu soluçando, ajoelhei,
E, de intensa dor magoada,
A Deus piedade implorei.


Findava a prece, e uma estrela
No horizonte despontou,
Pura, cintilante, bela
O caminho me traçou.


À humilde e escondida estância
Da venturosa Belém
Cheguei; vi um Deus na infância
Nos ternos braços da mãe.


Minha colheita de dores
Naquele berço depus,
Da humildade aos rigores
Pedi remédio a Jesus.





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