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Capítulo 18: XVIII

Página 285


No olhar do divino infante
Raiou suave fulgor,
Foi a aurora radiante
Que anuncia um redentor.

Não se descreve a impressão causada por estes versos, que assim transformavam a Fama do auto no anjo-da-guarda da infância. Muitas causas concorriam para produzir este efeito: a figura, a voz e o gesto de Ermelinda, que lhe davam uma aparência verdadeiramente angelical, e depois aquelas palavras inesperadas, aquela exposição desconhecida e em versos a que a melancolia da toada, em que eram recitados, parecia aumentar a cadência métrica. Enquanto debaixo da impressão daquela voz sonora e infantil, ninguém procurava explicar o mistério. Milagre lhes parecia e quase como milagre o aceitavam, e, de ouvidos atentos, colos estendidos e bocas semiabertas, parecia recolherem, uma a uma, aquelas palavras, como se de um verdadeiro emissário celeste as escutassem. O tablado enchera-se pouco a pouco de gente, e ninguém dera por isso. Os actores que estavam atrás da cortina tinham sido feridos pelos primeiros versos, diferentes dos que eles esperavam; isto obrigou-os a espreitar. Depois, como arrastados pela magia daquela voz e daquele gesto, vieram adiantando-se, adiantando-se, e cedo formavam círculo à volta de Ermelinda. O primeiro da frente era o Herodes. O espanto, os afectos, o orgulho de pai, a exaltação de artista combinavam-se para dar-lhe ao rosto uma expressão quase de êxtase. Olhava para a filha como se a visse animada de inspiração divina.

Pertunhas, o ensaiador do auto, que franzira o sobrolho, prevendo trapalhada aos primeiros versos recitados por Ermelinda, agora, de boca aberta, era de todos o mais espantado. No Mosteiro só Ângelo sorria, ele só interpretava o milagre. Todos os mais escutavam silenciosamente aquela voz de criança, que, em campo descoberto e no meio de tantos espectadores, soava distinta e vibrante como se efectivamente tivesse alguma coisa de sobre-humana.

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pág. 285 (Capítulo 18)

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Capa do livro A Morgadinha dos Canaviais
Páginas: 508
Página atual: 285

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
I 1
II 15
III 32
IV 49
V 68
VI 81
VII 95
VIII 113
IX 127
X 144
XI 160
XII 176
XIII 192
XIV 206
XV 226
XVI 239
XVII 252
XVIII 271
XIX 292
XX 309
XXI 324
XXII 339
XXIII 361
XXIV 371
XXV 383
XXVI 397
XXVII 404
XXVIII 416
XXX 440
XXXI 463
XXXII 476
XXXIII 487
Conclusão 506