A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 18: XVIII Pág. 287 / 508

- Então não crês no milagre?

- Responde.

Ângelo ia a responder, quando Henrique disse em voz alta para o conselheiro:

- Se eu digo a V. Ex.ª que o Bernardim existe.

- Mas quem é? - perguntou o conselheiro.

- Não sei; porém posso afiançar a V. Ex.ª que não são estes os primeiros vestígios que encontro dele. As paredes das capelas dos montes são as suas confidentes. Não está certa, prima Madalena, de umas quadras sentimentais, que lemos na ermida da Senhora da Saúde?

- Sim; recordo-me.

- Não acha entre essas e as do auto analogias de estilo, que a levem a atribuí-las à mesma pessoa?

- Estou pouco habituada a analisar estilos, primo.

- Mas talvez este lhe seja habitual.

Madalena fitou Henrique com um olhar de altivez, que o obrigou a acrescentar:

- Por muito o ver por aí desperdiçado por paredes de capelas e ruínas e nos troncos das árvores.

Ermelinda foi de uma discrição impenetrável. Quando lhe perguntavam quem lhe ensinara os versos, sorria, respondendo que não sabia, ou que não podia dizê-lo.

- Apostemos que nisto entra Ângelo - disse o conselheiro.

O Herodes cada vez parecia mais convencido de que fora pura inspiração.

Henrique, aproveitando uma ocasião em que estava próximo da Morgadinha, disse-lhe ao ouvido:

- Parece-me que ia pôr o dedo no rouxinol silvestre, que tão bem canta sem se mostrar.

- Sim?

- Não há muitas noites que eu o vi vaguear nestas imediações.

Estas aves melancólicas amam as inspirações nocturnas.

- Pois as noites nem sempre são boas conselheiras, primo. É a hora favorável à espionagem e às... calúnias... Mas, se sabe quem é, diga-o. Aqui em minha casa e no seio da minha família, é sempre bem recebida a verdade. Não há quem se tema dela.

E a Morgadinha, dizendo isto, deixou-o desdenhosamente.





Os capítulos deste livro