XIXNo dia seguinte ao dos Reis partiram para Lisboa, como estava determinado, o conselheiro e Ângelo, o que deu lugar no Mosteiro a muitas saudades. O conselheiro devia voltar somente por ocasião das eleições gerais, que estavam próximas.
Alguns dias depois, num domingo em que se festejava na aldeia o padroeiro Santo Amaro, de quem reza a Igreja a quinze de Janeiro, estava Henrique de Souselas na sala de jantar de Alvapenha, escutando sua tia e Maria de Jesus, que ambas o entretinham com longas conferências de coisas de pouco interesse e às quais ele ligava a mínima atenção.
Tinham acabado de jantar havia pouco tempo. A mesa conservava- se ainda posta; Henrique fumava um charuto, recostando-se para o espaldar da cadeira. D. Doroteia, de mãos cruzadas diante da cinta, falava; Maria de Jesus, que, depois de pôr em arranjo a cozinha, viera, segundo o costume patriarcal, tomar parte na sala na conversa do pospasto, auxiliava a memória da ama sempre que esta emperrava, corrigia-lhe as involuntárias e frequentes inexactidões em que a via cair.
Henrique habituara-se já a estes placidíssimos hábitos; e, apesar de não ligar atenção à conversa, ou por isso mesmo que lha não ligava, achava-lhe certas virtudes estomacais, que lha tornavam agradável.
Depois de muitas voltas, a conversa caiu sobre as ocorrências do auto dos Reis.
- Eu ainda estou para saber como aquilo foi! - dizia D. Doroteia.
- Quando me lembro! Como aquela rapariga falava!
- Ó senhora; olhe que já me disseram que a pequena tinha espírito - disse Maria de Jesus, com ar de mistério.
- Olhem o milagre! - respondeu D. Doroteia. - Por essa estou eu.
- Diz que desde aquele dia anda amarela e triste, que nem parece a mesma.
- Então é mais do que certo.