A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 2: II Pág. 30 / 508

- Que desastrada lembrança a minha! - disse o pobre rapaz, ao fechar a porta sobre si. - Como posso eu viver com esta santa e virtuosa gente, que chama manias aos meus padecimentos? Que futuro de impertinências me esperava! Ai, Lisboa, Lisboa! E pensar eu que só posso voltar para ti à custa de outra jornada! O quarto de Henrique era arranjado com simplicidade. Um alto leito de almofada na cabeceira e rodapé de chita, tão alto que se não dispensava o auxílio de cadeira para trepar acima dele, uma cómoda com um pequeno espelho, um baú, um lavatório e duas cadeiras mais, constituíam a mobília toda.

Henrique de Souselas sentia a falta de mil pequenos objectos de toucador a que estava habituado. Aquele estritamente necessário não lhe prometia grandes confortos.

Deitou-se. A roupa da cama era de linho alvíssimo e respirava um asseio e frescura convidativos; os travesseiros, de largos folhos engomados, possuíam uma moleza agradável às faces; o colchão de penas abatia-se suavemente sob o peso do corpo fatigado.

Henrique conchegou a roupa a si; à falta de velador pousou o castiçal no travesseiro, e, abrindo um livro que trouxera de Lisboa, pôs-se a ler, para obedecer a um hábito adquirido.

Não teria ainda lido um quarto de página, quando ouviu a voz da tia Doroteia, que lhe dizia de fora da porta:

- Ó menino, tu já te deitaste?

- Já, sim, tia Doroteia.

- Olha se tens cautela com a luz. Eu tenho um medo de fogos!

- Esteja descansada, tia. Eu apago já.

- Então será melhor. S. Marçal nos acuda.

E afastou-se, rezando ao santo.

Henrique continuou a ler.

Daí a pouco a mesma voz:

- Tu já dormes, Henriquinho?

- Não, tia, ainda não durmo.

- Olha que não vás adormecer sem apagar a luz. Eu tenho um medo de fogos! Não descanso, enquanto não vejo tudo apagado em casa.





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