A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 21: XXI Pág. 334 / 508

Para se viver não basta uma... uma loucura. Repara bem. Se quiseres... O Manuel é leviano, mas creio que ainda não perverso; eu lhe escreverei... talvez que em Lisboa...

- Não lhe escreva. Sabe que não partiria para Lisboa...

- Mas... repara!... Estás muito novo, Augusto... Tens um longo futuro diante de ti. E, ficando, o que te espera?...

- A morte que fosse, a morte de miséria e de fome, ficava. Mas resta-me o trabalho. Tenho coragem para aceitá-lo.

O ervanário baixou a cabeça, pensativo.

Soaram nisto à porta da sala duas pancadas lentas.

O ervanário fez um gesto de enfado.

- Não abras sem eu sair - disse ele a Augusto, que se erguera -; não estou de ânimo para aturar importunos.

E passou para a sala contígua.

Augusto foi abrir ao novo visitante.

Achou-se na presença do brasileiro Seabra.

O grave personagem entrou pausado e sisudo, como homem que sabe fazer valer a honra que dispensa, visitando um rapaz sem dinheiro.

Augusto ofereceu-lhe cadeira para se sentar, sem inquirir do motivo de tão inesperada visita. O Brasileiro sentou-se e principiou:

- Acabo agora mesmo de saber da injustiça que lhe fizeram. Senti-a como se fora própria, e venho aqui declarar-lho.

Augusto curvou-se, em sinal de agradecimento.

- Mas então que quer? - prosseguiu o homem. - Hoje em dia é tudo assim. Padrinhos e mais padrinhos, e o mais são histórias. Estamos numa época de corrupção e de imoralidades, e ninguém sabe onde isto irá parar.

Augusto ouvia em silêncio os trenos do capitalista, que prosseguiu:

- Tolo é quem não faz como os mais. O mundo está para os velhacos.

Parou, assoou-se, tossiu, e, puxando a cadeira para mais perto da de Augusto, continuou, em tom diferente e mais baixo:

- Quando um homem tem uma gota de sangue nas veias não pode receber as ofensas e ficar-se com elas assim.





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