A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 22: XXII Pág. 341 / 508

Ia jurar que era a expressão de um desejo.

- E porque não? Se isso fosse motivo para meu pai abandonar de uma vez para sempre a política, pedi-lo-ia a Deus.

- Conhece pouco ainda o coração humano, prima. Seu pai está votado à política para toda a vida. Desengane-se. E, se o prendessem nesta aldeia, aqui mesmo faria a mais deplorável, impertinente e inútil de todas as políticas, a política local.

A Morgadinha suspirou, como se reconhecesse a verdade do que Henrique dizia.

Henrique prosseguiu:

- Está organizado um clube oposicionista na taberna de um tal Canada. O Brasileiro capitaneia a falange, os padres são os tribunos e a propaganda estende-se assustadoramente. É preciso olhar por isto e sobretudo não perder de vista o Sr. Joãozinho das Perdizes, cujo voto seu pai tinha em grande conta, porque representa o de uma freguesia inteira. É de supor que o requestem muito e... o homem é frágil. Já vê, prima, que eu tomo muito a sério os preceitos higiénicos que me deu o meu médico, quando parti de Lisboa, e que a prima aprovou. Estou a interessar-me pelas questões locais, como se aqui estivesse há anos.

- E é um bom indício de cura, pode crer.

- E ainda tem empenho de me curar?

- Empenho, todo; esperança é que menos.

- Ó meu Deus! Que sinceridade de médico tão cruel! Seja; escutarei a sentença com coragem. Diga-me o que pensa de mim. Há muito que não falamos nisto. A última vez que o fizemos, um tanto categoricamente, foi uma ocasião bem crítica. Julgo que o meu procedimento de então até hoje lhe terá feito conceber do meu carácter um não muito desfavorável conceito. Bem vê que não abusei...

- De quê? - perguntou Madalena, contraindo a fronte, num gesto de altivez. - É certo que tem em todo este tempo dado provas de discrição, no que se mostrou mais contrito que generoso.





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