A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 22: XXII Pág. 347 / 508

até ali vagueavam por diversas secções do periódico, fixaram-se num ponto; contraiu-se-lhe a fronte; um ligeiro tremor correu-lhe os lábios; corou e empalideceu alternadamente; e, no fim, afastando de si a folha com um movimento nervoso e apaixonado, exclamou, sob o domínio de uma comoção profunda:

- Ó meu Deus! E não ter um coração, como o dele, a força precisa para fugir destes enredos! Isto é de enlouquecer!...

Henrique pegou na folha, que ela arrojou de si com ímpeto, e examinou-a.

Tinha conjecturado bem.

O caso devia consternar Madalena, para quem o conselheiro era um homem tão perfeito na vida política e na vida social, como na vida de família. Para Henrique, em quem havia muito se inoculara o cepticismo da época, impedindo-o de divinizar os homens, por mais rodeados de prestígios que lhe aparecessem, não tinha o facto de que se tratava grande significação nem gravidade. O caso era o seguinte: Tempos antes havia-se agitado nas Câmaras uma importante questão política; uma destas questões que servem para estremar os campos e discriminar os programas dos partidos. Vacilar nelas é já trair os princípios fundamentais de uma causa, e abjurar um credo político inteiro. O pai de Madalena, militando no partido de mais avançadas ideias liberais, tinha de antemão traçado por ele o caminho a seguir nesta conjuntura, o círculo, fora do qual não poderia combater sem apostasia; mas, como já atrás dissemos, o conselheiro não era já o homem que fora nos primeiros tempos da sua carreira pública; perdera a fé nas utopias e nos princípios abstractos, e trocava-os de barato por qualquer pequena vantagem positiva que pudesse obter, se não para si, para a localidade de que era representante. A lógica partidária sacrificara-a, sem remorsos, mais do que uma vez, ao que, em linguagem não sei se parlamentar, se chama conveniências políticas.





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