A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 27: XXVII Pág. 408 / 508

Não direi que fosse com inteira fé que o doente orava; talvez que houvesse mescla de sentimento profano no prazer suave que experimentava ao orar assim; é certo, porém, que, desde então, frequentes vezes, se lhe desviavam os olhos para o pequeno crucifixo que Cristina trouxera do seu quarto para a cabeceira do leito de Henrique.

Outra vez, quando Cristina acabava de fazer-lhe tomar um remédio, Henrique, obedecendo aos impulsos da sua gratidão, beijou- lhe, comovido, a mão, que ela ia a retirar.

- Que faz? - disse Cristina, corando e afastando-a.

- Deixe-me beijar a mão piedosa que me prendeu à vida, à vida que só agora comecei a amar.

- Ora vamos - acudiu ela, com um meigo tom de repreensão.

- Como não quer que a adore, Cristina, depois de se fazer anjo para me salvar? Não costuma rezar ao seu anjo-da-guarda?

- Repare que eu não tenho asas de anjo.

- Mas voa mais alto ao Céu, quando desce assim a velar por um pobre doente como eu, que nenhuns títulos possui para lhe merecer essa dedicação, pobre menina! Que vida tem sido a sua há tantos dias?

- Nenhuns títulos? Que diz? - tornou Cristina com um sorriso adorável.

- Pois quais?

- Então não somos primos? - disse ela, jovialmente.

E saiu do quarto, com aquele andar ligeiro e fácil que tanto enlevava Henrique.

Estava já Henrique em convalescença, e o facultativo permitira- lhe alguns passeios pela quinta, mas ainda não a sua transferência para Alvapenha. O lugar favorito de Henrique nestes passeios era à sombra de umas laranjeiras, que havia a pouca distância de casa. Das janelas do quarto de D. Vitória descobria-se o lugar. Quando as manhãs estavam serenas, Henrique para ali ia, com um livro que não fazia tenção de ler, e apoiando-se ao braço de Cristina, que levava a costura para junto dele, para lhe fazer companhia.





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