A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 30: XXXI Pág. 465 / 508

Que é feito dessa energia? O que é feito dela? Leitor, talvez o teu coração te possa responder por mim, se és uma dessas vítimas, para quem a sorte parece personificada em um espírito malfazejo, que se compraz nos martírios lentos.

Quando, uns após outros, se repetem os golpes da adversidade, quando todos os males parece caírem sobre uma existência, como uma maldição de Deus, é raro encontrar-se têmpera de alma tão rija que resista e não ceda, quase convencida, como o Jacob dos livros sagrados, de que luta com um poder superior.

A razão mais clara deixa-se tomar, então, da cegueira do fatalismo, e, eivado desta grave doença, dissipa-se a fortaleza do espírito, como se extinguem as forças do corpo, quando gira no sangue um veneno enervador.

Então, encontra-se quase um destes prazeres paradoxais, a que é tão sujeita a natureza humana: sente-se uma espécie de gozo em sucumbir sem luta. Experimenta-se, por assim dizer, o orgulho da extrema infelicidade.

Em poucos dias, Augusto conheceu as maiores provações da vida: a miséria em perspectiva, a ingratidão, o insulto que avilta, a calúnia que enodoa, e o infortúnio de um verdadeiro amigo; repelira com dignidade o insulto e a calúnia; sorrira à miséria e à ingratidão, e dera à amizade as consolações que a amizade lhe inspirara.

Mas não desfalecera com tudo isto.

Maior provação lhe estava reservada, porque há maiores provações para a alma humana do que todas estas adversidades juntas.

Apagai-lhe de súbito a estrela que a guiava; acordai-a do sonho em que se esquecia, dormindo no meio de uma desencantada realidade; privai-a da ideia querida, que havia muito concebera, que consigo vivia, que para si guardava, ciosa dos olhares estranhos, e vê-la-eis desnorteada, perdida, louca, contorcer-se em desespero e sucumbir.





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