Se resiste e sobrevive, se não desfalece nem vacila, é porque é de essência mais elevada do que a humana.
Às vezes aquela ideia era tão irrealizável, aquele sonho tão quimérico, que a pobre devia estar prevenida para o perder um dia, e julgou que o estava.
Mas iludira-se. Se nos dermos de coração a uma quimera, se ela, nas formas vagas e aéreas que reveste, nos sorrir e namorar, em vão julgamos tê-la por o que verdadeiramente é; há sempre um ou outro momento em que a acreditamos realizável e até realizada.
E, ao convencermo-nos deveras da sua impossibilidade, sentimos a dor profunda que nos causa a perda de um objecto querido.
Como certos deuses do paganismo, que nos seus amores com os mortais vestiam a forma humana, assim o impossível, quando nos apaixonamos dele, aparece, para nos seduzir, sob a feição da realidade aos nossos olhos namorados.
E, ao revelar-se como impossível, destrói o coração que o abraça, como Júpiter sacrificou a imprudente Sémele, ao aparecer- -lhe em toda a sua glória de Deus.
Qual fosse a ideia constante, o pensamento recatado de Augusto, sabem-no os leitores: era o amor de Madalena. A natureza desta paixão dizia ele conhecê-la. Não tinha outra aspiração além de existir, era como o culto pela Virgem do Cristianismo, em que se adora por adorar, em que na mesma adoração se acha o prémio do culto, em que o deixar-se adorar é o mais que pode pedir-se ao objecto dele.
De tudo isto estava sinceramente convencido Augusto.
Mas porque foi que, desde os primeiros momentos em que viu Henrique, sentiu quase aversão para ele? Porque foi que, amável e bondoso para com todos, só para com o desconhecido se mostrou frio e irritante? Porque foi enfim que, ao persuadir-se, por certos indícios, de que Madalena e Henrique se amavam, caiu no desalento, em que tantas causas de infortúnio o não tinham lançado ainda? Porque a verdade era que foi este o golpe que o venceu.