A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 32: XXXIII Pág. 498 / 508

A Morgadinha efectivamente repeliu-a com brandura de si e respondeu ao pai:

- Às vezes aos caracteres levianos estão confiadas tarefas generosas. Cabe-lhes sanar muitas injustiças que, por cálculo, os mais reflectidos, e por isso mais desconfiados, praticam sem piedade. Não me envergonho nem arrependo do passo que dei. Não fiz mais do que salvar do desespero uma alma nobre e magnânima, que, se se perdesse, talvez um dia a sua consciência, senhor, o acusasse de não ser inocente nessa perda. Quis evitar-lhe remorsos, meu pai. Se isto foi leviandade, que os anos ma não dissipem, como dizem que costumam fazer, porque prefiro ser leviana assim, a ser cruel como...

O pai atalhou-a, e cada vez com mais veemência replicou:

- Pois siga, se quiser, a sua fantasia, senhora, mas terá de escolher entre os seus caprichos e a minha aprovação. Fique certa que, com o consentimento meu, nunca um rapaz pobre, sem família e sem posição, especulará com o estouvamento de uma herdeira rica, que, tão esquecida do que deve a si e aos seus, não hesitou em o procurar na própria casa, sem reparar que estava sendo vítima de uma comédia armada à sua crédula sensibilidade.

Antes do conselheiro concluir estas palavras estava alguém mais na sala.

Era Augusto.

Da sala próxima, onde chegara muito antes, ouvira ele o que o conselheiro dizia em tom elevado, e o sentido das palavras que ouviu venceu-lhe toda a hesitação e obrigou-o a entrar.

O conselheiro, reparando de súbito nele, interrompeu-se e parou.

Augusto respondeu-lhe então com dignidade e tristeza:

- Esse rapaz pobre, sem profissão e sem família, tem nesse tríplice infortúnio outros tantos títulos para ser respeitado dos felizes, como V. Ex.ª, e eu não prescindo desses direitos.





Os capítulos deste livro